Repentinamente, sem imaginar que marchavam para esse estado de coisas, vemos o nosso País tornar-se terra de exilados e proscritos. Venho daquela geração que, tanto para o bem quanto ao mal, viveu sob o regime militar, quando a situação levou milhares de brasileiros a fugir ou serem banidos, perdendo a cidadania e tendo de buscar outras nações onde nem sempre havia condições para nelas viver. São poucas as histórias das estrelas que se deram bem trabalhando , morando e vivendo em elegantes endereços de Paris e outras cidades da moda; a grande maioria desprovida dessas condições sentiu-se obrigada a comer o pão que o diabo amassou.
Tive a oportunidade de ver a anistia se implantar e os brasileiros proscritos poderem voltar à Pátria e muitos deles reassumir as posições de onde haviam fugido ou sido expulsos. O raciocínio, inclusive do então presidente, general João Figueiredo, que decretou a anistia aprovada no Congresso, era de que lugar de brasileiro é no Brasil. Com o ato de perdão, todos puderam voltar e tiveram esquecidas as suas dívidas políticas, algumas delas manchadas de sangue.
Instalou-se a Nova República, escreveu-se uma nova Constituição, voltaram as eleições no lugar da escolha indireta dos governantes via colégio eleitoral. E o País respirou um novo ar, de liberdade que muitos chegaram a acreditar e dizer ser maior do que realmente era. Talvez aí resida o primeiro problema dos que hoje vivemos.
Os militares devolveram o governo ao poder civil no ano de 1985 e até hoje vivemos a democracia possível, depois de tantos problemas e frustrações. Com o passar dos anos, a luta ideológica tomou conta da cena política, dois presidentes sofreram impeachment, o presidente Lula, apesar de estar cumprindo seu terceiro mandato na chefia da Nação e tencionar concorrer ao quarto, já amargou 581 dias de cárcere. E o ex-presidente Jair Bolsonaro já se encontra inelegível, pronunciado como réu e ameaçado de ir para a prisão condenado pela denunciada tentativa de golpe na virada de 2022 para 2023, cuja autoria ele nega.
Vivemos o desencontro entre Legislativo, Judiciário e Executivo, que a Constituição determina serem independentes, autônomos e harmônicos entre si. Legislativo e Judiciário têm ações onde um busca enfraquecer o outro e o ambiente institucional torna-se tenso.
Surgiu agora a questão da deputada Carla Zambelli, condenada a 10 anos de prisão por ter hackeado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que abandonou o País e anuncia ir morar na Itália, onde também tem cidadania. O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente decidiu ficar nos Estados Unidos para não ter seu passaporte arrestado pelo Supremo Tribunal Federal e, em terras norte americanos, faz ativismo contra a suprema corte brasileira. Também existem vários jornalistas foragidos ou banidos porque tiveram suas redes sociais e contas bancárias brasileiras bloqueadas ou correm o risco de prisão se retornarem ao solo pátrio. Isso sem falar de outros parlamentares que, por diversos motivos, também foram encarcerados. Ainda existem os milhares de participantes do quebra-quebra de Brasília em 8 de janeiro de 2023, presos, processados e condenados a pesadas penas pela denunciada tentativa de golpe de Estado. Um bom número deles, em liberdade condicional enquanto aguardavam julgamento, fugiu para o exterior e hoje também engordam o número de exilados brasileiros.
Temos, finalmente, protocolado no Congresso Nacional, o projeto da nova anistia a crimes políticos. Ele é proposto e defendido por bolsonaristas direitistas e combatido pelo governo do Partido Trabalhadores, de esquerda e, curiosamente, que teve suas estrelas perdoadas na anistia de 1979 e com isso puderam voltar à militância política.
Não pretendo defender qualquer dos lados da contenda política que envolve o Brasil. Penso, no entanto, que o País necessita de soluções que possam levar à pacificação, com anistia ou sem ela. Não podemos continuar assistindo a tensão aumentar e nada fazendo para solucioná-la. Que todos os poderosos – parlamentares, governantes, altas autoridades e lideranças sociais – se mobilizam antes que o quadro crítico saia completamente do controle e tenhamos vítimas a socorrer ou reste apenas a opção de lamentá-las…
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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