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Fux quebra a unanimidade e expõe os limites da criminalização de atos democráticos

O julgamento que levou à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por crimes contra a ordem democrática mobilizou o país e expôs divergências relevantes no Supremo Tribunal Federal (STF). O voto do ministro Luiz Fux destoou da maioria e trouxe reflexões que ultrapassam o caso concreto, tocando em pilares constitucionais como o juiz natural, o devido processo legal e a tipicidade material dos delitos penais. Fux iniciou sua divergência apontando a incompetência da Primeira Turma para julgar o caso, em razão da perda do foro privilegiado pelo ex-presidente. O argumento encontra respaldo na própria jurisprudência da Corte desde 2018, quando o STF consolidou que o foro por prerrogativa de função é de natureza funcional, vinculado ao exercício do cargo, cessando automaticamente quando o mandato é encerrado. Para o advogado criminalista Dr. Robert Beserra, a posição é juridicamente consistente: “O foro por prerrogativa de função não é um privilégio pessoal, mas uma garantia institucional ligada ao exercício do cargo. Ao deixar a função, a competência especial deixa de existir. Esse entendimento resguarda o princípio do juiz natural, previsto no artigo 5º, inciso LIII da Constituição, e evita distorções na jurisdição penal”.

O ministro também sustentou que, ainda que se reconhecesse a competência do Supremo, o julgamento deveria ter ocorrido no Plenário, e não em uma de suas Turmas. A Constituição atribui ao Plenário a competência originária para julgar autoridades com foro especial, e embora o Regimento Interno permita a delegação, Fux destacou que casos de alta repercussão institucional demandam maior colegialidade. Para Dr. Robert, o argumento é pertinente: “A formação plenária assegura maior legitimidade democrática, pois envolve a manifestação integral da Corte. Em processos que tocam o núcleo da ordem constitucional, restringir a decisão a apenas cinco ministros pode abrir espaço para questionamentos de legitimidade e de amplitude da colegialidade”.

Outro ponto de destaque foi a rejeição da tese de que os atos atribuídos ao ex-presidente configurariam crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Segundo Fux, não houve demonstração de risco concreto à ordem constitucional, posição alinhada ao princípio da tipicidade material adotado pelo Supremo. Para Dr. Robert, essa interpretação é crucial: “O STF tem reiterado que o Direito Penal só deve ser acionado quando há efetiva lesividade. Criminalizar atos simbólicos ou meramente preparatórios contraria a lógica do Estado Democrático de Direito”. O criminalista ainda pondera que esse entendimento cria uma barreira probatória mais elevada: “O precedente tende a restringir a aplicação do artigo 359-L do Código Penal, exigindo não apenas a intenção, mas a real capacidade de abalar as instituições. Isso cria uma salvaguarda importante contra interpretações expansivas do tipo penal”.

O voto de Fux também criticou o tempo concedido à defesa para analisar o volumoso acervo probatório, apontando que a celeridade processual não poderia sacrificar a plenitude da defesa. O devido processo legal, em sua dimensão processual, exige que a defesa tenha condições reais de se manifestar sobre todo o material probatório. Como observa Dr. Robert: “O princípio do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º, LV da Constituição, não podem ser relativizados em nome da celeridade. Em processos com milhares de páginas, conceder prazos exíguos inviabiliza a defesa técnica e gera nulidade. O STF já anulou procedimentos em razão da insuficiência de prazo quando houve prejuízo concreto”.

Nesse contexto, Fux alertou para o risco de uma atuação “inquisitorial” diante da velocidade do julgamento, o que expôs o dilema entre a pressão social por respostas rápidas em casos de alta repercussão e a necessidade de preservar garantias constitucionais. Dr. Robert reforça o alerta: “A eficiência processual não pode se sobrepor aos direitos fundamentais. O Estado deve ser firme, mas nunca atropelar o devido processo legal. Respostas rápidas que sacrificam garantias podem gerar nulidades e, no fim, enfraquecer a própria legitimidade das decisões”.

Além das questões técnicas, o voto divergente teve repercussão política e simbólica. Para alguns, reforçou a pluralidade do STF; para outros, transmitiu a imagem de fragmentação. Dr. Robert Beserra pondera: “A divergência é parte da democracia judicial. Mostra que o Supremo não decide de forma monolítica e que há espaço para interpretações diferentes. O problema é quando essa pluralidade é instrumentalizada politicamente como sinal de fraqueza institucional”. Houve também críticas sobre possíveis contradições em relação a posicionamentos anteriores do ministro, especialmente na época da Lava Jato. Parte da comunidade jurídica enxerga incoerência; outra parte vê evolução. “É possível enxergar mudança de sensibilidade às garantias processuais após experiências recentes. O Supremo evolui a partir de revisões críticas, e isso faz parte de sua dinâmica institucional”, acrescenta o advogado.

As consequências práticas do voto de Fux não se limitam ao julgamento de Bolsonaro. Ele abre margem para recursos futuros com base em alegações de cerceamento de defesa, perda de competência por ausência de foro e falta de risco concreto ao bem jurídico. Mais do que isso, tende a influenciar a jurisprudência futura. “Esse voto servirá como baliza para interpretações mais restritivas do artigo 359-L, exigindo prova de risco real ao Estado democrático, além de reforçar a necessidade de prazos amplos e respeito integral ao contraditório. É uma sinalização de fortalecimento das garantias processuais em tempos de polarização”, conclui Dr. Robert Beserra.

Camila Ferreira