A Constituição fez 35 anos na quinta-feira (05/10) sob a possibilidade da inimaginável eclosão de grande contenda entre os Poderes da República. Criados “independentes e harmônicos entre si”, no bojo do artigo 2º do texto constitucional, Legislativo, Executivo e Judiciário há tempos não vivem a linearidade e o equilíbrio institucional sonhados e decretados pelos constituintes de 1988.
O Congresso Nacional enfraqueceu quando parlamentares, ao perder nas votações da Câmara e do Senado, passaram a atiçar a judicialização em massa (e a revogação das matérias de seu desagrado através do “tapetão” do Supremo Tribunal Federal) de questões exclusivamente legislativas, que deveriam ter sido concluídas pela maioria de votos e a resignação da minoria.
Ocorreu também o denuncismo que levou os parlamentares a serem processados no STF (em razão do foro privilegiado) e alguns deles a ser condenados, perder o mandato e cumprir pena. Hoje ainda existem 150 deputados e senadores investigados ou processados no âmbito de 317 processos, cujo número cresceu 11% nos ótimos 12 meses. Verdade ou não, já se especulou no próprio meio judicial, que os processos contra parlamentares tramitam lentamente com o objetivo de manter os implicados tímidos e a suprema corte desimpedida para legislar. Para evitar essa distorção, o ideal é que o foro privilegiado se restrinja a atos praticados dentro do mandato e que acontecimentos comuns da vida do parlamentar sejam modulados pela justiça comum, como os de qualquer cidadão.
Outro enfraquecedor do Parlamento e seus membros foi o engavetamento sistemático dos pedidos de impeachment ao presidente da República, a ministros do STF e ao procurador-chefe da PGR no Senado. Mais de 400 pedidos de afastamento foram protocolados na Câmara dos Deputados contra os presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. Mais de uma centena de outros foi apresentada ao Senado contra ministros do STF e o chefe da PGR. Mas os sucessivos presidentes das duas casas legislativas, em descumprimento à lei do impeachment (Lei nº 1079/1950), que determina a leitura e despacho para tramitação na sessão seguinte ao protocolo, optaram por engavetar todos. Podem ter ficado com poder político momentâneo, mas as casas legislativas restaram enfraquecidas. Só tramitaram e chegaram ao desenlace os impedimentos de Collor e Dilma. Detalhe: hoje já existem 12 pedidos de afastamento de Lula apresentados nesse novo mandato, todos – até agora – engavetados.
O raciocínio básico é de que, se tivessem tramitado os pedidos de afastamento, os presidentes da Câmara e do Senado teriam preservado a representatividade daquelas casas e os denunciados, a oportunidade para salvar o mandato, mantida integridade dos Poderes.
Por conta da judicialização e da política engavetadora da mesa do Senado, os ministros do STF e até o chefe da PGR puderam menosprezar o Poder Legislativo, editando ou invalidando leis, determinando medidas privativas dos parlamentares, como a instalação de CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito). O mais estranho é que, mesmo invadido em suas prerrogativas, o Parlamento aceitou e executou as imposições. Também houve, pelo STF, a usurpação de poderes da presidência da República, ao invalidar nomeações para cargos do Poder Executivo (como o de diretor da Polícia Federal), também sem a esperada reação do governo, que já vivia às turras com a corte.
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou na quarta-feira a PEC (Proposta de Emenda constitucional 8/2021, que limita as decisões monocráticas (tomadas por um único ministro) do STF. Agora a matéria vai para a votação do plenário. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, adverte que os poderes devem permanecer nos limites constitucionais. Já o ministro Luiz Roberto Barroso, que acaba de assumir a presidência do STF (em sucessão à ministra Rosa Weber, que se aposentou), diz não ser esse o momento para mexer nas prerrogativas do tribunal. Existem vários projetos que objetivam diminuir o poder e a influência dos ministros.
Nunca será tarde para corrigir o rumo dos acontecimentos. A operação “engaveta”, realizada nas últimas três décadas na Câmara e no Senado é o grande entulho que se colocou na vida dos Três Poderes da República e os retirou da regularidade e do interesse público. Se realmente estiverem interessados em cumprir os seus deveres em corrigir o curso da história, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco e o da Câmara, Arthur Lira, devem desengavetar toda a vida brava constantes dos pedidos de impeachment. Mandar para o arquivo os pedidos que perderam o objeto, mas tramitar todos os que ainda tiverem o que apurar e principalmente o denunciado para responder pelas infrações político-administrativas que motivaram os pedidos. Se isso tivesse sido feito no devido tempo, o Brasil de hoje certamente estará em melhores condições. Todas as irregularidades precisam ser apuradas, os responsáveis identificados e as soluções adotadas. Engavetar é solução de lesa-pátria…
Nada mal que os Três Poderes passem a ser mais bem cuidados. Urge que seus dirigentes e integrantes observem rigorosamente seus direitos. e deveres para não avançar na seara alheia e nem deixar a própria à mercê de alienígenas. Observem rigorosamente o disposto na Constituição e só admitam mudanças ou redistribuição do poder e níveis de autoridade se forem precedidas de reformas constitucionais ou se convocada a Constituinte e esta elaborar e aprovar nova Carta Magna. Com o texto atual, qualquer supremacia de um Poder sobre os outros é indevida e pode, até, conter o cheiro de golpe.
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo).
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