Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma historinha de Mato Grosso do Sul.

Residência médica

Em Dourados/MS, foi eleito um prefeito semianalfabeto. Prometia na campanha: “prometo manter os postos de saúde abertos 24 horas, inclusive à noite”. Em outra ocasião, a UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) implantou o curso de medicina. Por conta das dificuldades de encontrar hospitais para a residência médica, travou-se grande discussão, na época da campanha, sobre a questão. Em um acirrado debate, perguntaram ao candidato como poderia contribuir para resolver o problema da residência médica. De pronto, respondeu:

– “Eu não pretendo dar casa para médico; eles já ganham muito e podem comprar casa. Só vou construir casa para pobre”.

(“Causo” enviado por Elizabeth Dias Rode).

Um atraso civilizatório

O Brasil convive com a pandemia desde o início do ano. O anúncio dos primeiros casos foi no final de fevereiro. Como contabilizar perdas e avanços nesse imenso interregno entre rotinas tradicionais de vida e novos costumes? À primeira vista, o legado de perdas transparece com maior volume e nitidez. Retração no mundo dos negócios, refluxo na área dos empreendimentos, atraso na educação, com milhões de crianças e jovens que deixaram de acompanhar o ritmo da aprendizagem. Só este fato exibe o grau de perdas a que se submete não apenas a geração que frequenta a escola aqui e alhures, mas todos os conjuntos que mexem com a esfera educacional.

E avanço na ciência

Mas há uma contrapartida a considerar na esteira do ditado que diz: a aprendizagem decorre também do erro. Digamos que tenha havido muito erro nas estratégias de combate à pandemia da Covid-19. Países correram atrás do prejuízo, convocaram seus cientistas, mobilizaram seus laboratórios e iniciaram intensa busca do antídoto capaz de sustar a expansão do vírus. Tanto que, hoje, há dezenas de experimentos sendo testados. E pelo menos seis vacinas em estágio final de testes. Portanto, tem havido algum avanço das tecnologias biomédicas voltadas para a preservação da saúde e combate às epidemias.

O que se viu

É denso o acervo de coisas malfeitas ao correr da pandemia: improvisação, falta de equipamentos adequados, falta de profissionais, uso e exploração de remédios sem comprovação de eficácia, incúria administrativa, negação da ciência, desprezo pelas normas recomendadas, descumprimento das instruções para isolamento social e uso de máscaras, mesmo por parte de autoridades, declarações impróprias sobre a pandemia, entre outros fatores. O fato é que milhares foram contaminados ou morreram porque os governantes foram ineptos.

Não é curto o tempo

Ficará na consciência de milhões de pessoas o sentimento de que a vida é curta, como já lembrava Sêneca em sua obra Sobre a Brevidade da Vida: “Não é curto o tempo que temos, mas dele muito perdemos. A vida é suficientemente longa e com generosidade nos foi dada, para a realização das maiores coisas, se a empregamos bem. Mas, quando ela se esvai no luxo e na indiferença, quando não a empregamos em nada de bom, então, finalmente constrangidos pela fatalidade, sentimos que ela já passou por nós sem que tivéssemos percebido“.

Esbanjadores

O filósofo arremata: “O fato é o seguinte – não recebemos uma vida breve, mas a fazemos, nem somos dela carentes, mas esbanjadores. Tal como abundantes e régios recursos, quando caem nas mãos de um mau senhor, dissipam-se num momento, enquanto que, por pequenos que sejam, se são confiados a um bom guarda, crescem pelo uso, assim também nossa vida se estende por muito tempo, para aquele que sabe dela bem dispor“. A consciência para vivermos vida mais saudável será um dos bons legados da crise.

A vida mais simples

Muita gente correu para o campo, sítios e fazendas. O aconchego familiar foi mais intenso. A convivência com a natureza abrirá novas motivações, a vontade de fugir ao barulho das metrópoles e grandes cidades, o desejo de levar uma vida mais simples e mais harmônica com familiares e amigos. Muitos estiveram perto da porta de saída desta vida. Para estes, sobretudo, viver cada segundo, vivenciar cada minuto, aproveitar as oportunidades e contemplar a beleza ao seu redor – serão os nichos a, doravante, preencher. Viva a vida!

Minimizar o perigo

Donald Trump confessou ao jornalista Bob Woodward que quis minimizar o perigo do coronavírus e não causar pânico, admitindo que escondeu o fato ao público. Ele sabia, semanas antes da primeira morte por Covid-19 nos EUA, que o vírus era transmitido pelo ar, altamente contagioso e “mais mortal” do que uma gripe forte. Lembrete: o jornalista ficou conhecido por revelar o caso Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974.

Descumprindo o dever

As afirmações de Trump contrastam com seus comentários públicos à época, quando insistia que o vírus “desapareceria rapidamente”. Em suma, o presidente traiu a confiança do público e seu dever. Em “Rage“, livro que escreveu, Bob diz que o trabalho de um presidente é “manter o país seguro”. E não é enganando o povo que ele garante segurança.

Enganar o povo

Você pode enganar algumas pessoas o tempo todo ou todas as pessoas durante algum tempo; mas você não pode enganar todas as pessoas o tempo todo“. (Abraham Lincoln)

Governo do povo

Democracia é governo do povo, pelo povo e para o povo“. (Abraham Lincoln em discurso de Gettysburg, 1861).

Bolsonaro

O presidente Bolsonaro, como é sabido, disse que o vírus era uma “gripezinha” e até hoje recomenda o uso da cloroquina. Sete ministros do governo já pegaram a Covid-19.

Sem reformas

Pelo andar da carruagem, será difícil vermos reformas aprovadas pelo Congresso este ano. Eleições mobilizam deputados e senadores. Governo tem dificuldades com sua base. E tudo parece se arrastar como tartaruga.

Itália enxuga parlamento

Cerca de 70% dos italianos aprovaram por referendo o corte de um terço de seus deputados e senadores: de 945 cargos para 600, saindo de 630 deputados para 400 e de 315 senadores para 200. A decisão será aplicada nas eleições previstas para 2023. Pergunta que fica no ar: e por aqui? Previsão deste consultor: 0% de possibilidade.

O bicho ataca

O cenário desenhado por alguns analistas se confirma. Os resultados do feriadão de 7 de setembro começam a aparecer com o incremento de casos em alguns Estados, a partir do território livre e farrista do Rio de Janeiro. Sombra de uma segunda onda, que mostra seu impacto na Espanha, Itália, França e UK. Todo cuidado se faz necessário.

Fake news

Muita mentira está sendo dita sobre a pandemia. Até a medição de temperatura na testa causa problemas, espalham os mentirosos, que devem ser banidos ou escanteados. Pessoas do mal. Gente sem princípio.

Desocupação

A taxa de desocupação no Brasil sobe de 13,2% para 14,3% em uma semana. Demanda aponta para queda, diminuindo pressão sobre preços. Podemos viver sob uma herança deflacionária no pós-pandemia.

Puxando para baixo

Pesquisa mais recente do Ibope em São Paulo chama a atenção para um ponto: os governantes puxam seus candidatos para baixo. O índice de desaprovação do eleitor quando se pergunta se determinado líder ou governante ajuda ou desajuda o candidato é, em media, três vezes mais negativo do que positivo. Incluindo Bolsonaro.

Melhor legislação

O presidente do Brasil, como é praxe, abriu os trabalhos da ONU, garantindo, em discurso virtual, que temos a “melhor legislação ambiental do mundo”. Pode até ser. Mas é cumprida? E os dados das queimadas são mentirosos? Bolsonaro disse mais: o Brasil é “vítima” de uma campanha “brutal” de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal. A floresta amazônica é úmida e só pega fogo nas bordas. Os responsáveis pelas queimadas são ‘índios’ e ‘caboclos’. O óleo derramado no litoral brasileiro em 2019 é venezuelano, foi vendido sem controle e chegou à costa após derramamento ‘criminoso’. Orientações para as pessoas ficarem em casa na pandemia ‘quase’ levaram o país ao ‘caos social’. O Brasil é um país cristão e conservador e a ‘cristofobia’ deve ser combatida.

Sistema meio

Marketing é um sistema meio, não é um sistema fim. E como tal traduz o espírito de uma campanha, a partir de discursos, atitudes, gestos, enfim, todos os véus que cobrem um candidato. Marketing não ganha campanha. Quem ganha campanha é o candidato. Marketing ajuda a diminuir os pontos negativos de um perfil e maximizar os aspectos positivos.

Lições de Quinto Túlio

O escopo do marketing político, ao longo da história, tem se mantido praticamente o mesmo. O que muda são as abordagens e as ferramentas tecnológicas. Atentem. No ano 64 a.C., Quinto Túlio Cícero enviava ao irmão, o grande tribuno e advogado Cícero – protagonista de episódios marcantes por ocasião do fim do sistema republicano e implantação do Império Romano – uma carta que considero o primeiro manual organizado de marketing eleitoral da história. Ali, Quinto Túlio orientava Cícero sobre comportamentos, atitudes, ações e programa de governo para o consulado, que era o pleito disputado, sem esquecer as abordagens psicológicas do discurso, como a lembrança sobre a esperança, este valor tão “marketizado” no Brasil e que se constituiu eixo central do discurso da era lulista. Dizia ele: “Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea“.

Candidato ideal

O eleitor está à procura de um candidato com as seguintes qualidades: experiência, honestidade; vida limpa e passado decente; assepsia; equilíbrio/ponderação; preparo; coragem/determinação; autoridade (não confundir com autoritarismo). Há uma saturação de perfis antigos, que usam as esteiras da velha política. O eleitor quer ver perfis mais identificados com suas grandes demandas: segurança, saúde, educação, melhoria das condições de vida nas regiões, nos bairros, nas ruas. Quem apresentar propostas mais condizentes com as necessidades do eleitor terá melhores condições de ser escolhido.

Fecho com um “causo” de Pernambuco.

Só expectorante

Reunião de vereadores com o chefe político numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um tinha de falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc.. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra:

– E você, amigo, não tem nada a dizer?

O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu:

– Não, doutor, estou apenas expectorante.

Os companheiros espectadores abriram uma gargalhada.

(“Causo” contado pelo ex-vice presidente da República, Marco Maciel, com relato mais recente do ex-governador, Geraldo Alckmin.)

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