Sou do grupo de risco. As marcas do tempo me fazem mais sujeito a perecer pela Covid-19. Por isso me cuido, evitando aglomerações e observando os cuidados sanitários. É o que posso fazer além de torcer pelo mais breve fim da pandemia. Preocupa-me, no entanto, saber que quem adoece gravemente pelo vírus tem de ficar em respiração assistida por mais de 20 dias (senão morre) e que muitos equipamentos existentes estão avariados. Sei isso pelas notícias de que os governos correm atrás de parcerias com escolas técnicas e empresas capacitadas ao reparo. Dará tempo? Ninguém sabe.
Saúde, que os constituintes de 88 incluíram na Carta Magna (art. 196) como “direito de todos e dever do Estado” nunca saiu completamente do papel. Tanto que o setor vive a atroz contradição de, por um lado possuir nichos com serviços de excelência e alta qualidade, que só beneficiam profissionalmente seus operadores e sanitariamente os pacientes que conseguem a façanha de acessá-los; e de outro, centenas – ou milhares – de hospitais, ambulatórios e postos de saúde onde o povo morre na fila à espera de vaga e por falta dos medicamentos prescritos, que seu salário não consegue comprar. O que vai fazer na fugaz e traiçoeira pandemia, este país que, em mais de 30 anos de mandamento constitucional, não foi capaz de fazer valer o preceito do direito à Saúde garantido pelo Estado?
Os governos criaram protocolos similares aos franceses para remoção de pacientes e atendimento de emergência, mas o poder público não tem recursos suficientes para custear e manter adequadamente os serviços. Vimos sofisticadas ambulâncias estacionadas em depósitos ou até na intempérie e UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) fechadas ou sub-utilizadas, à espera de manutenção e investimentos.
O coronavírus interrompe vidas prematuramente, tanto por suas características quando pela má administração da estrutura de Saúde. São Paulo, por exemplo, tem hoje uma fila de 30 mil testes cujos pacientes esperam além do tempo razoável para saber se estão (ou não) infectados. Nas não é a primeira e nem será a última pandemia, epidemia ou surto a acometer nosso povo. Espera-se união, comprometimento e responsabilidade das autoridades, dos operadores da área e das forças da sociedade.
Ao final das mortes, a pandemia extinta irá para a prateleira onde já figuram as gripes espanhola, russa, asiática e outros flagelos. É preciso dela extrair lições que sejam capazes de, na próxima epidemia, diminuir o sofrimento do povo e economizar vidas. Atualmente já podemos identificar o grande gargalo do sistema de saúde brasileiro: a insuficiente manutenção de instalações e equipamentos e a elevada taxa de ocupação. Basta um pequeno aumento de demanda para se vislumbrar o colapso. A implacável História, quando registrar esse momento, só reconhecerá aqueles cuja ação barre o avanço do mal e, ao mesmo tempo, impeça que o vírus da miséria se instale e continue fazendo o povo sofrer.
São Paulo e Rio de Janeiro, os dois pontos principais da infecção, têm uma grande dívida com a população (que hoje adoece e morre). Seus governantes têm de assumir que o quadro chegou a esse ponto por negligência deles próprios e de seus antecessores, que não investiram devidamente na área; e devem trabalhar firme para recuperar o tempo perdido, evitando pirotecnia, extremismos e principalmente o acionamento de bandeiras eleitorais, pois o povo acordou. O coronavírus, da forma que chegou, não tem cara de ser um bom cabo eleitoral para as eleições desse ano e, muito provavelmente, nem para as de 2022. Contenham-se e cumpram seus deveres de hoje. O futuro a Deus pertence…
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)
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